Historia do LaMaV de acordo com o jornal a Amatéria

1976. Esse é o ano que marca o início da trajetória do LaMaV, o Laboratório de Materiais Vítreos do DEMa.

1976. Esse é o ano que marca o início da trajetória do LaMaV, o Laboratório de Materiais Vítreos do DEMa. A história do laboratório está intimamente ligada ao desenvolvimento do curso de Engenharia de Materiais da UFSCar, uma vez que é a partir do início das atividades do LaMaV que a área de vidros debuta no departamento. Reconhecido e prestigiado internacionalmente, o laboratório recebe inúmeros estudantes e professores visitantes do exterior, que buscam a troca de conhecimentos e experiências em materiais vítreos, especialmente nas áreas de vitrocerâmicas, biomateriais, propriedades elétricas, térmicas e mecânicas de vidros, além de processos dinâmicos tais como cristalizações. Nesse sentido, o Jornal A Matéria, em parceria com o DEMaEx, traz a jornada do laboratório sob a ótica do Prof. Dr. Edgar Dutra Zanotto, professor sênior do DEMa e fundador do LaMaV. 

        Até o ano de 1975 não havia pesquisador especialista em vidros no Brasil, e isso estava prestes a mudar quando um professor estadunidense foi convidado pelo chefe do DEMa à época para lecionar uma disciplina aos discentes de Engenharia de Materiais. “O meu interesse pelos materiais vítreos e, consequentemente, a criação do LaMaV, resultou de certas coincidências”, lembra o professor Zanotto, “quando eu estava no 5º ano da graduação em Engenharia de Materiais, recebemos o professor americano aposentado O. J. Whittemore, especialista em cerâmicas que tinha um único projeto em vidros, e que me orientou em um trabalho de iniciação científica sobre vidros para encapsular rejeitos radioativos. Esse era um de seus projetos de pesquisa e ele gostaria de continuá-lo aqui no Brasil. Foi minha primeira IC remunerada, porque até então as bolsas FAPESP e CNPq eram raríssimas, assim como o número de engenheiros de materiais no Brasil. Dessa forma, comecei a trabalhar no projeto e ler artigos e livros sobre vidros; e neste momento iniciou meu interesse pela área”. 

        Em meados do ano de 1976, ainda em seu último ano da graduação, o professor relembra que recebeu propostas de emprego em duas grandes empresas, foi aprovado em uma pós-graduação no Rio de Janeiro e no exame da Petrobras. Todavia, um novo acontecimento coloca em seu destino a criação do LaMaV: a abertura de uma vaga para professor na área de cerâmicas no DEMa. “Eu desejava muito essa vaga, ainda que o salário para o cargo de professor auxiliar de ensino fosse o menor, quando comparado às outras oportunidades. A entrevista para o cargo foi feita em inglês, com um comitê composto por professores americanos, chilenos e brasileiros, e eu fui aprovado e contratado sem sequer ter iniciado um mestrado”. Nesse cenário, Zanotto apresentou um plano de pesquisa sobre vidros ao chefe do departamento, Deonysio Pinatti, que apreciou a sugestão, uma vez que não havia nenhuma ideia sobre estudo de materiais vítreos no DEMa até então. “Assim nasceram as pesquisas sobre vidros no departamento junto com o laboratório: o LaMaV descende da minha contratação como professor”. Em 15 de dezembro de 1976 é formalmente criado o Laboratório de Materiais Vítreos, que possuía “apenas um forninho tipo mufla e um microscópio ótico”. Nesse ensejo, o professor relembra seus esforços e deixa um ensinamento: “Quanto mais se trabalha, mais ‘sorte’ se tem”. 

        O professor Edgar era recém-formado e precisava aprender muito mais sobre vidros. “Resolvi realizar o mestrado em física, a fim de me aprofundar na ciência, no Instituto de Física da USP São Carlos (IFSC). Foi lá que conheci o professor argentino Aldo Félix Craievech, que pesquisava inúmeros materiais, incluindo metais, polímeros e vidros, com sua especialidade em SAXS (Espalhamento de Raios-X a Baixo Ângulo). Concluí o mestrado orientado pelo Prof. Aldo, e comecei a produzir meus primeiros vidros, já como professor no DEMa, porém, eu ainda sabia muito pouco sobre esse maravilhoso, mas complexo material. O professor Aldo conhecia um professor referência na área de materiais vítreos, Peter James, que trabalhava no maior departamento na área de vidros no mundo, na Universidade de Sheffield na Inglaterra”. Zanotto conta que após os acertos para realizar o doutorado com o especialista inglês, sua meta era clara: adquirir conhecimentos necessários e suficientes para voltar ao Brasil e implementar no LaMaV. Após o afastamento de 3 anos concedido pelo DEMa para realizar o doutorado, em que recebeu uma bolsa da CAPES, Zanotto retornou com suficiente bagagem científico-tecnológica. Logo após, o professor contribuiu para a criação da pós-graduação no departamento, principalmente do curso de doutorado — juntamente com os professores José Agnelli e José Roberto da Silva, ambos aposentados — e, inclusive, foi o orientador da primeira tese de doutorado do programa. “Nessa altura, o laboratório começou a receber recursos a partir da submissão de projetos de pesquisa à FAPESP e ao CNPq. Após alguns anos, contratamos o professor Oscar Peitl e a professora Ana Candida, até hoje partes importantíssimas do LaMaV, que atualmente conta com 5 professores, incluindo os docentes Marcelo Andreeta e Murilo Crovace”. 

        Quando questionado sobre a importância do financiamento de agências de pesquisa, o professor é categórico: “são essenciais”. Hoje o Laboratório conta com um grande projeto de Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID), o conhecido CeRTEV (“Center of Research, Technology and Education in Vitreous Materials”), financiado pela FAPESP. Este projeto conta com cerca de R$ 33 mi, divididos com grupos da USP e da UNESP nos 11 anos de duração (2013-2024), o que tem contribuído muito para o desenvolvimento do Laboratório e de suas pesquisas. Além deste, o maior dos projetos do LaMaV, o Centro também conta com apoio do CNPq e alguns projetos financiados por empresas. Além de ressaltar a importância do financiamento público e privado para a sobrevivência da pesquisa, o professor conclui: “nos últimos anos a situação piorou muito. Se não tivéssemos os projetos privados o Laboratório não conseguiria manter nem metade dos alunos e pós-doutorandos que tem hoje”. 

        Ao lado de tantas conquistas nesses quase 45 anos de Laboratório, o professor Zanotto defende que o maior legado são os/as profissionais formados/as. Os números são irrefutáveis, uma vez que já passaram pelo LaMaV cerca de 150 pós-graduados/as e mais 150 alunos/as de IC. O professor encara a pesquisa como etapa importantíssima na preparação dos alunos: “Devo minha carreira acadêmica àquela bolsa de IC que obtive no quinto ano de graduação. Um aluno de IC cresce muito, aprende o método científico, a realizar pesquisa, a trabalhar em grupo, apresentar seminários, ler artigos, realizar revisão crítica de literatura e também a valorizar o ensino. A pesquisa é proativa, é muito mais clara e educativa do que ouvir alguém falando”. Junto aos quase 500 trabalhos publicados — sendo muitos premiados —, e cerca de 30 patentes, há muitas pesquisas que se tornaram referências, como as novas definições de vidros e vitrocerâmicos, o desvendamento do fluxo dos vidros dos vitrais de catedrais medievais [1], os biovidros [2], entre outros. 

        Claro que todo esse trabalho vem acompanhado de muitas dificuldades, desde menores — como o relacionamento interpessoal —, até em situações ligadas à falta de recursos e à infraestrutura (quedas de energia e falta de água no campus, por exemplo). Somado a isso, o Brasil é um país importador de equipamentos científicos e insumos, então a reposição de equipamentos, reagentes e outros materiais é lenta e cara, o que, muitas vezes, pode interromper uma pesquisa. “Já houve casos em que uma lâmpada de um refratômetro queimou, mas a empresa alemã nem a produzia mais. Para não descartarmos o equipamento, conversamos com amigos da USP que, por sorte, doaram essa lâmpada. E essa é uma grande vantagem de estarmos em São Carlos, rodeado pelos excelentes departamentos e infraestrutura de pesquisa da UFSCar, USP e EMBRAPA!”, relata. 

        Por fim, quando questionado sobre um fato marcante da vasta história do LaMaV, o professor Zanotto relembra uma ocasião em 2016, a “Advanced School on Glasses and Glass-Ceramics” (Advanced School on Glasses and Glass-Ceramics — English (ufscar.br)), um evento com o intuito de mostrar o que era feito no Laboratório e aumentar o contato e a rede de colaboração nacional e internacional. Na ocasião, foram selecionados (com direito a hotel e passagens aéreas) 100 doutorandos/as em vidros, metade atuante no Brasil e a outra metade de qualquer lugar do mundo. Os/as estudantes estrangeiros/as foram selecionados e, ainda, se somaram a eles mais 20 que vieram por conta própria, assim como mais 40 brasileiros/as. Todos ficaram 8 dias tendo aulas e realizando mini projetos a serem apresentados no último dia. “Surgiram muitos projetos maravilhosos e, inclusive, alguns foram aproveitados para teses. Assim, aumentamos os contatos no mundo todo, muitos frutos do evento”. O professor finaliza dizendo que o segundo evento teve de ser adiado por conta da pandemia, mas espera que seja realizado em um futuro próximo. 

        Desejamos que este texto tenha elucidado alguns pontos da vasta história dos quase 45 anos do Laboratório de Materiais Vítreos, desde sua criação até o desenvolvimento de muitas pesquisas importantes. Novamente, agradecemos o professor Zanotto pelo grande auxílio na coleta de informações e pela narração de fatos essenciais para se conhecer sobre o LaMaV. Sem sombra de dúvidas, o Laboratório é indissociável do crescimento e expansão do DEMa e terá muitos mais anos de história. 

Referências: 

[1] Do cathedral glasses flow? Zanotto, Edgar Dutra. American Journal of Physics, May, 1998, Vol.66(5), p.392(4) 

[2] Crovace, M.C., Souza, M.T., Chinaglia, C.R., Peitl, O., Zanotto, E.D. Biosilicate® - A multipurpose, highly bioactive glass-ceramic. in vitro, in vivo and clinical trials J. Non-Crystalline Solids(2016) 432, pp. 90-110. https://www.scopus.com/inward/record.uri?eid=2-s2.0-84948117893&doi=10.1016% 2fj.jnoncrysol.2015.03.022&partnerID=40&md5=0a9707eb70c8e208e79fb27df28c42 0